sábado, 31 de dezembro de 2011

Coisas que só se vê na enfermagem...

Nesses anos de profissão, tive a oportunidade e muita sorte de ver coisas que poucas pessoas viram na área da enfermagem. Coisas que não vemos todos os dias, coisas que acontecem raramente, que me surpreenderam e fizeram com que eu quisesse mais ainda continuar nessa profissão. Também vi muito sofrimento e tristeza, coisas que mesmo que eu quisesse, não vou conseguir esquecer. Três episódios me marcaram profundamente e sempre que alguém me pergunta qual foi a pior coisa ou a mais bizara que eu já vi na minha profissão, eu lembro desses episódios em particular.


O primeiro foi de um bebê que nasceu com dextrocardia, ou seja, com o coração no lado direito. Após o exame minucioso do pediatra na sala de parto onde eu trabalhava, ficou constatado que o menino tinha realmente o coração no lado direto. Apesar dessa má formação, ele nasceu muito forte e saudável. Quando acontece isso, todos os órgãos no meio do corpo são invertidos. A probabilidade dessa má formação acontecer é de 1 para cada 130.000 pessoas. Pelos meus cálculos, ele deve estar mais ou menos com uns doze ou treze anos hoje.

O segundo foi uma paciente que chegou convulsionando na emergência (em Rio dos Cedros) e nenhuma medicação conseguia fazer a convulsão cessar. Após várias tentativas e ampolas de medicações, a paciente simplesmente parou de convulsionar e após alguns segundos começou a envergar, formando a famosa posição de opistótono, provocada por um tétano tardio. A mulher ficou apoiada somente com a ponta do calcanhar e a ponta da cabeça na maca, e o resto do corpo completamente endurecido e envergado. A cena da mulher entortando sobre a maca, jamais sairá da minha cabeça. E as pessoas da sala (eu, minha mãe que também trabalhava de enfermeira na época, dois médicos e outra técnica em enfermagem), são testumunhas de que isso realmente aconteceu. Uma pena eu não ter uma câmera na época, né?

Sim, ela ficou assim... Posição de Opistótono
E o terceiro, mas não menos memorável que os dois primeiros episódios, foi de um rapaz de 18 anos, que levou três tiros entre tórax e o abdome, vindo parar na emergência ainda com vida. Entramos em cirurgia eram mais ou menos umas sete da noite, para tentar conter a hemorragia e retirar as balas. A cirurgia levou aproximadamente cinco horas. O problema é achar uma bala dentro de um tórax e um abdome. Sério, tem tanto lugar para procurar, que vocês não acreditariam. Então, o cirurgião fez a incisão (abertura) e começou a tirar tudo para fora (sim, os intestinos e tudo o que poderia sair) e começou a procurar as balas. Algumas horas depois, e após conter a hemorragia, finalmente achamos as malditas balas. Só que achamos só duas, e nada da terceira. Continuando nossas buscas atrás da bala perdida, o médico pediu para que eu chegasse mais perto e eu claro, obedeci. Então ele olhou para mim e falou: - Eu vou te mostrar a coisa mais linda que você vai ver na vida! Então, ele levantou o esterno (osso do peito que proteje o coração) e espiando lá por baixo, consegui ver o coração do rapaz batendo. Tudo tão novo, tão limpo e cheio de vida. Jamais conseguirei escrever o que realmente senti quando  vi aquele coração batendo com tanta força. Sim, foi uma das coisas mais lindas que eu tive a oportunidade de ver. Obrigada Dr. Marcelo! E onde estava a terceira bala? Infelizmente não pudemos removê-la porque estava alojada na coluna. Após a cirurgia, ele foi tranferido para um centro maior e não tivemos mais notícias dele. Espero que ele tenha ficado bem.

Aqui você vê coisas fantásticas...
Queria poder escrever todas as coisas boas e ruins que acompanhei ao longo da minha profissão, coisas que realmente mereceriam um lugarzinho aqui. Quem sabe um dia escreverei um livro contando os casos mais bizarros, tristes, alegres, emocionantes...sei lá! Quem sabe, né?

Os acontecimentos que nos marcam, fazem com que de algum modo a gente mude para melhor ou pior em relação as coisas. Sempre quando lembro desses episódios, vejo como eu tenho sorte de ter escolhido essa profissão e quanto ao longo do caminho eu mudei. Tenho certeza (e as pessoas que me conhecem desde o início de tudo), que mudei para melhor. O que para mim antigamente era só uma forma de ganhar dinheiro, hoje vejo como um modo de vida. Eu preciso ajudar e cuidar das pessoas. É isso que me deixa feliz, e tenho certeza que se as pessoas realmente nascem com um dom, eu felizmente achei o meu bem cedo. Sou muito agradecida por isso, Ele sabe e nunca me virou as costas.

Desejo do fundo do meu coração um novo ano maravilhoso a todos cheio de coisas boas e que você possa achar o caminho que lhe fará feliz, se você ainda não achou.

Até ano que vem...



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