quarta-feira, 20 de abril de 2011

Surtos Psicóticos

Um dos atendimentos que eu mais gostava de fazer no Samu eram os surtos psicóticos. Depois vinham os traumas. Fiz muitos atendimentos de surtos, e em cada paciente a manifestação da psicose era diferente em todos os sentidos, desde a hora de abordar o paciente, conversar ( ou não) e conseguir medicá-los ou levá-los ao hospital.  Dependendo a causa da manifestação ( esquizofrenia, drogas ou trauma muito grande), o surto pode causar delírios e alucinações, o que é muito perigoso quando o paciente é contrariado. Durante o surto, ocorre uma perda da realidade, onde não há diferenciação do mundo real e o imaginário das pessoas. A maioria dos pacientes que atendi, diziam que estavam sendo perseguidos ou ameaçados e tentavam fugir.




Mesmo que os pacientes durante os surtos falem coisas sem sentido, é impressionante a velocidade com que contam histórias, principalmente os detalhes. Eu ficava escutando admirada, tamanha criatividade que nosso cérebro é capaz de produzir. Muitas histórias eram engraçadas, outras nem tanto, mas o jeito como era contada é que fazia a diferença. Alguns falavam em outras línguas, faziam gestos e falavam coisas obscenas ( já atendi paciente em surto que estava andando nu dentro de casa), outros riam sem parar e outros ainda, não queriam conversar, como se tivessem num estado catatônico ( vivem em seus pensamentos como se criassem um mundo só para si ). Independente da causa do surto, cada atendimento era um surpresa.



Teriam muitas histórias para contar, mas uma em especial me marcou porque esse atendimento foi diferente.  Me acionaram para um surto psicótico. Pelo endereço, eu já sabia quem era a paciente, pois já havia atendido a mesma outras vezes. A paciente, uma senhora que passava dos sessenta anos, estava deitada  nua, de bruços, tampada com um cobertor. Quando tentei iniciar uma conversa, ela virou a cabeça para trás e começou a me olhar e rir. Ria e colocava a língua para fora ( exatamente como no filme O Exorcista) e de repente começou falar em outra língua. Um parente que estava junto no quarto disse que nunca tinha visto ela fazer isso. Nem eu, pois já havia atendido ela outras vezes, mas nenhum surto foi igual a esse. Haviam dois policiais comigo no quarto ( sempre que atendíamos surtos, chamávamos a ajuda da polícia, pois a maioria dos pacientes em surtos, ficam agressivos ). A paciente não aceitava a medicação e se recusava a entrar na ambulância. Após os policiais imobilizarem-na, fiz a medicação de costume e... nem fez cócegas. A paciente continuava rindo e mostrando a língua. A casa toda fedia a enxofre. Sinceramente, foi o primeiro atendimento que fiquei com medo do paciente, ela parecia estar possessa. Liguei para o médico e expliquei a situação, falei que a paciente estava diferente dos outros atendimentos e ele...riu da minha cara.  Após ele me pedir para medicá-la três vezes sem sucesso...ele ficou cabreiro. Coloquei o telefone perto da paciente e ele escutou ela falando daquele jeito horrível. Não teve mais dúvidas e me pediu para conduzi-la ao hospital. Colocamos a paciente na ambulância, amarrada de bruços na maca, tampada com um cobertor, e mesmo assim nenhum dos dois policiais quis acompanhar o transporte comigo na ambulâcia. Vieram atrás da viatura ate chegarmos ao hospital. Eles também ficaram com medo. Durante todo o transporte ela ficou com a cabeça levantada me encarando, sem tirar os olhos de mim um minuto sequer. Dei graças a Deus quando entreguei-a no pronto socorro e minha responsabilidade sobre ela terminou. Eu estava salva...hehehe!

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